Resenha de “Os Bastidores de Emma”, da autora Bruna Agra Tessuto


Carol Canabarro

O livro “Os Bastidores de Emma”, da autora Bruna Agra Tessuto, lançado em 2018, pela Editora Metamorfose é, em vários aspectos, fascinante. Por ser uma obra de autoficção, nos intriga ao não sabermos quais partes são reais, quais são ficcionais e, principalmente, por nos fazer torcer a cada linha pela felicidade da personagem principal e da própria autora.
Com o objetivo de transformar dor em arte, Bruna nos submerge na comovente história de Bea, às vésperas de sua formatura no curso de Artes Cênicas.
O texto narrado em primeira pessoa nos autoriza a reviver a história pela perspectiva da personagem. Uma jovem no final do curso, apaixonada pelo colega de elenco que vê suas expectativas mais profundas serem frustradas diante da realidade da paixão não correspondida (ou não correspondida plenamente) interferir na apresentação final de seu trabalho de conclusão do curso.
A inabilidade dos pares na universidade e posterior depressão são retratadas de maneira real e profunda, a ponto de contorcer nossos músculos a cada descrição. Na pele de Bea, Bruna conduz os leitores por seu mundo mostrando, acima de tudo, que há uma força visceral naqueles que percebem e enfrentam suas vulnerabilidades.
Feito espetáculo, a obra de 130 páginas é dividida em três atos: no primeiro deixa os espectadores a par da vida de Bea, suas expectativas, suas angustias e seus desapontamentos; no segundo expõe as conseqüências dolorosas geradas pela falta de amor e empatia de colegas e professores e no terceiro ato nos brinda com a reinvenção de si mesma.
Nas primeiras linhas a autora agarra os leitores e leitoras, gerando empatia e identificação. Quem de nós não tem uma história de amor não-correspondido? E quem de nós não deseja que todas as histórias de amor tenham final feliz? Apesar de o tema caminhar no fio da navalha do clichê, Bruna se sobressai por mostrar uma visão nada piegas e absurdamente realista do processo de cura depois de ter sua vida desmantelada.
Na história (e na vida real), como pré-requisito para graduação, os acadêmicos devem apresentar uma peça de teatro, totalmente organizada pelos alunos, tendo como orientador um professor do curso. Bea reúne amigas e amigos para reinterpretar uma peça de sucesso. O grupo coeso parece ter tudo sob controle, até que a paixão disfarçada em amizade íntima pelo colega de elenco, Leon, é descortinada e não correspondida a contento pela personagem.
Segue-se a saga de Bea em desvencilhar-se de uma decepção diante de uma platéia pouco amistosa. Preocupados com a formatura, o grupo titubeia entre ajudar a amiga e seguir com a peça. A professora-orientadora imposta pela faculdade é inábil na condução dos trabalhos e opta por afastar Bea do espetáculo em que a garota ajudou a projetar. Cria-se, assim, para Bea uma barreira inconciliável de seus desejos de graduar-se e lidar com o amor antigo recém vindo à tona.
A depressão devora a personagem por todos os lados, até que seus familiares e dois colegas de curso (que não participam da peça), Olívia e Joca, a reconduzem para a dolorosa, mas passível de redenção, realidade.
Se o assunto é pesado e denso, Bruna consegue desenvolvê-lo de uma maneira leve e precisa. A escrita fluída e leve nos atravessa com profundidade. Descrições de cenários, condução do tempo, apresentações de personagens, desenvolvimento das cenas, diálogos compactos e incursões sobre os sentimentos de Bea são pinceladas em formato de letras sob o papel.
As metáforas, o jogo de palavras e as amarrações do texto nos fazem pensar que a autora não só encontrou seu trevo de quatro folhas, como o plantou, regou e criou um jardim inteiro dele.
O simbolismo nas salas amarelas e cinzas, na tiara cor de rosa, no colar com pingente azul, no aceite de uma bala de um estranho, o clássico corte de cabelo na nova fase da personagem, uma cachorrinha Abençoada e os papéis que Bea interpreta ao longo do livro foram criações (ou vivências reais?) que cedem poesia a obra.
Competente escritora, Bruna confere aos demais personagens descrições ricas, que não fosse essa uma obra de autoficção, poderiam gerar outros tantos livros, dada o cuidado que a autora teve de produzir não só a personagem principal como as personagens secundárias. A quantidade de personagens do livro e de personagens da peça poderia gerar confusão nos leitores e leitoras, dificuldade que Bruna conseguiu superar com louvor.
A autora tangencia, com elegância, temas modernos (e necessários) sobre as mais diversas formas de sexualidade ao nos revelar personagens não estereotipados e vanguardistas na arte de expressar a si mesmos.
O livro que pode – e recomendo – ser lido “de uma sentada” nos faz torcer do início ao fim por um final feliz. Daqueles fechamentos concretos, possíveis e verossímeis, na literatura e na vida real. Sem a necessidade de a mocinha ficar com o amado, mas com a precisão dela ser feliz consigo mesma.
Bruna transformou Os Bastidores de Emma em sua própria redenção com maestria. Multitarefa, foi atriz, diretora, escritora, psicóloga, orientadora, amiga e fiel a si mesma da primeira a última linha, com um parágrafo final arrebatador.
A autora nos faz querer conhecer mais sobre ela e sobre quem inspirou a escrita. Seja para terminar a surra na professora-orientadora, seja para agradecer Olívia e Joca, ou ainda para ganhar uma lambida da Abençoada.
Por certo, Bruna fez dos basti_dores de sua formatura um brigadeiro doce (sem ovo) para ser saborosamente digerido por quem queira ou precise acreditar que a vida, apesar de muitas vezes ser cruel, é doce.

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Carol Canabarro

E-mail: carolinecanabarro@gmail.com

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