Contra o vento


Carol Canabarro

Abre a porta de casa e ameaça sair. A brisa fria a faz voltar para pegar um casaco. Veste uma manga na soleira e outra enquanto fecha a porta. Quer chegar à estação antes que ele desembarque.

O passo miúdo esconde a pressa. Bota a mão no bolso a cada esquina: ufa, ainda está aqui. Numa curva, o vento avança sobre ela. É o minuano dando suas primeiras baforadas.

Chega antes de a hora virar. Recosta-se na mureta, de onde pode ver a saída dos passageiros. Uma vez mais, confere o bolso sem desviar os olhos da plataforma. O amor permanece lá, seguro.

Espera uma, duas, dez eternidades, até que avista o alvo. Os pés, em posição de passo, paralisam. Tira o papel desamassado do casaco, o minuano assovia mais forte. É o suficiente. A carta, pesada de sentimentos e leve de gramatura, revoa feito pássaro recém-solto. Ela luta por enquadrar, sem sucesso, o objeto de seu amor e o seu amor objetificado no mesmo frame.

Acompanha, com boca aberta de estátua, o envelope mergulhar numa poça. Volta-se para o desembarque. Não tem mais a carta, mas ainda lhe restam as palavras. Custa para reencontrá-lo em meio à aglomeração.

Afastando com delicadeza enérgica os transeuntes, um clarão se faz, e pode distingui-lo. Não acredita no que suas íris dizem: uma mão magra, de dedos finos e unhas vermelhas, acolhe as mãos que deveriam receber suas palavras.

Antes que possa ser vista, dá as costas cambaleando e deixa-se levar pela multidão. Faz o caminho inverso da ida.

Dessa vez, a favor do vento.

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Carol Canabarro

E-mail: carolinecanabarro@gmail.com

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