Carol Canabarro
Ele entra na sala se apoiando nas paredes, as pernas se movem feito engrenagens quebradas e, por onde as mãos tocam, surgem pequenas nódoas. Num suspiro, quase lamento, senta. De perto dá pra ver o olhar perdido emoldurado em fundas olheiras, os ombros arqueados e os ossos da face saltados na pele pálida.
— Rita, vim me demitir — a voz sai rouca.
A gerente do RH levanta as sobrancelhas, segura o riso sem graça e, procurando sem sucesso as melhores palavras, só consegue dizer:
— Mas você... Você não pode se demitir — Uma risadinha escapa.
— Não aguento mais, tô exausto. Olha meu estado. — Com os braços abertos, aponta com os olhos para o corpo, em viva decomposição.
— Precisamos de você. E, pra ser sincera, desde que te conheço você tem esse aspecto, pensei que fosse normal.
— Normal? — responde inclinando o tronco para frente — Como você pode achar isso normal? Eu não era desse jeito. Fiquei assim quando comecei a trabalhar com vocês! — a voz sai mais alta do que se supõe que ele pode falar.
— Com a gente? — Ela finge digitar algo no computador.
— Ah, pois é. Isso ninguém fala. Quando me dedicava só às plantas e aos animais minha vida era boa. Vocês me sobrecarregam, me exploram. Não tenho férias, final de semana, nem uma noite inteira de sono consigo. Pra mim chega, me sinto uma viga enferrujada, pronta para desabar.
A faculdade de administração e mais quinze anos de experiência na empresa não foram suficientes para Rita enfrentar esse dia. Ela simplesmente não sabe como agir. Resolve então deixar-se conduzir pela mecânica dos fatos. Apanha uma ficha da gaveta e entrega pra ele.
— Tá aqui, preenche com seus dados.
Ele pega a folha, tira do bolso uma caneta com a tampa carcomida e escreve, com letra embolada, seu pedido. Levanta-se, devolve o papel e, enquanto ele sai ainda cambaleando, Rita, segurando o queixo, lê que o Trabalho está mesmo pedindo demissão. E, para piorar, sem aviso prévio.
