Resposta-chave


Carol Canabarro

O Salão de Atos da universidade está lotado para aula magna. Os estudantes do primeiro semestre são os mais eufóricos para conhecer Gabriela Rudolf. Os incontáveis prêmios, a carreira longeva e o rosto emoldurado pelos característicos óculos de armação vermelha lhe dão um ar de divindade. É um privilégio assistir a ela, e os presentes sabem disso.

A diretora do curso sobe no púlpito e faz uma breve, porém prestigiosa apresentação da conferencista. Dra. Rudolf entra no palco com passos curtos e sorriso largo. Acena com o entusiasmo que a idade permite e senta na poltrona púrpura de couro sintético e aço inoxidável, projetada por ela e reconhecida internacionalmente. A multidão bate palmas para todos os seus movimentos.

Dra. Gabriela aproveita a pausa na aclamação, testa o microfone com dois toques leves e inicia a palestra. Protocolar, cumprimenta as autoridades, os estudantes e agradece o convite. Nova onda de aplausos. Coloca a mão no peito, pende a cabeça à frente e, sem preâmbulos, indaga:

— Meus caros, o que há de mais importante numa casa?

Os ouvintes se remexem nas cadeiras, cochicham, e se cutucam, fazendo o burburinho aumentar a cada segundo. Ela espera o alvoroço diminuir e retoma a pergunta, desta vez, mais diretamente:

— Alguém arrisca?

No meio do salão, um jovem com cabelos alinhados e camisa bem passada levanta a mão.

— Diga, meu filho, por favor, seu nome e sua resposta.

— Me chamo Paulo. Acredito que o mais importante para uma casa seja a fundação — responde enquanto duas mechas do seu cabelo fogem dos trilhos.

Parte da plateia balança a cabeça para cima e para baixo, outra parte balança de para os lados.

— Boa resposta, Paulo. Obrigada. Mas percebi que nem todos concordam com você. Para esses, o que é então?

Uma moça de olhos grandes e mãos eloquentes salta da primeira fila e dispara sem esperar autorização:

— O mais importante numa casa são as paredes, para delimitar o que é a casa. E, obviamente, para paredes sólidas é necessária uma fundação sólida. Porém, sem paredes, sem casa. Ah, me chamo Flávia, é um prazer conhecê-la, Dra. Rudolf. — Ela senta, piscando mais do que o necessário.

Novo alvoroço, nova pausa, novas positivas e novas negativas na audiência. Desta vez a arquiteta levanta a mão para impedir que as vozes se exaltem.

— Acredito que ainda não chegamos a uma resposta, pelo menos, não a uma que seja unânime. Alguém mais?

— Eu! — Levanta-se um garoto com sardas e dentes protuberantes no fundo da sala — Me chamo Rafael. Concordo em parte com meus colegas. Há que se ter fundação, paredes, mas, sem um teto, para que serve uma casa, se ela não protege?

— Você está perto da resposta, caro Rafael, mas creio que ainda não chegamos ao cerne da questão.

O burburinho aumenta, algumas risadas e discretos dedos apontados para os colegas que responderam, muitas caras de dúvida. Ela levanta da poltrona e caminha até bem próximo da plateia.

— Até o final do nosso encontro chegaremos ao final desse mistério. Quem mais está disposto a colaborar?

Um grupo de estudantes se remexe e empurra uma garota magra e pálida para a frente. Dra. Rudolf assente com a cabeça para que a menina fale.

— É... Olá, doutora, é uma honra. Tô meio nervosa.

— Todos nós estamos, pequena. Diga o que você pensa.

— Acho que o mais importante para uma casa são os materiais. Sem eles não é possível fundação, paredes ou teto. — Suas bochechas abandonam o branco e ardem como se duas águas-vivas as tivessem abraçado.

Todos parecem concordar. O grupo encorajador ameaça até bater palmas. Gabriela sorri, apertando os cantos dos olhos.

— Fato. Materiais são imprescindíveis. Nada é feito sem matéria-prima. Mas temo que a resposta ainda não seja essa.

Do fundo, um rapaz de voz grave e moletom da faculdade ainda sentado, grita:

— São as entradas. Sem entradas, o que foi descrito vira uma grande caixa.

Todos caem na gargalhada, inclusive Gabriela. O salão está em ebulição. A palestrante volta para a poltrona, senta-se devagar, os aprendizes emudecem.

— Meus caros uma casa precisa de uma fundação consistente, é o que dará sustentáculo para tudo o que vier sobre ela, mas apenas a fundação não gera uma casa. Bem como paredes. São importantes para delimitar o que é e o que não é uma casa, mas elas, por si só, geram apenas muros, e não moradias. Um teto é, também, imprescindível. É preciso proteção para a habitação, e é o teto quem a fornece. Por certo, os materiais são cruciais. Mas quem mais se aproximou da resposta correta foi você. — Ela aponta para o rapaz do fundo da sala. — Qual o seu nome, por gentileza?

O garoto fica em pé com o peito estufado, queixo proeminente e olhar de vitória. As palmas começam a surgir. Gabriela, mais uma vez, levanta a mão para conter as manifestações.

— Meu nome é Felipe.

— Oh! Muito prazer, Felipe, você tem o mesmo nome de um dos meus netos. Ele é tão sabido quanto você.

O auditório é pura euforia, a Dra. Rudolf volta a falar:

— Vejam, a resposta do Felipe é a mais próxima da verdade, mas ainda não é a correta. Já sabem do que falo?

Silêncio absoluto. Pode-se ouvir uma borboleta espirrar quando uma garota de cabelos cacheados e piercing nos lábios se põe de pé e exclama:

— A chave! A chave é a coisa mais importante de uma casa!

A palestrante abre os braços em aprovação. O salão explode em gargalhadas ante a resposta inusitada. Ela apoia os cotovelos nas coxas, aproxima o microfone dos lábios e, tão logo o burburinho cessa, fala como quem conta um segredo:

— Você foi muito sagaz, minha cara. Quase acertou. Meus colegas, tenham sempre em mente: o mais importante de uma casa são aqueles que possuem essa chave.

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Carol Canabarro

E-mail: carolinecanabarro@gmail.com

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