De volta as cavalgadas


Carol Canabarro

Na contagem de vocês, foram quase vinte anos de espera. Depois dela, ninguém montou em meu lombo e sentiu a liberdade entre os fios do cabelo. Parece melancólico, mas não é. O tempo aqui não é o mesmo que costumava ser, não existe depois, tudo é agora e para sempre. Sem gestação, só nascimento.

O adocicado cítrico do perfume, misturado com o couro de suas botas, tocou minhas narinas antes que ela me percebesse. A passo, fui ao seu encontro. Cabisbaixa e vertendo lágrimas pesadas, ela mal se equilibrava. Relinchei. Seus olhos pousaram nos meus. Um grito oco saiu de sua garganta. De súbito, suas pernas tornaram-se firmes. Ela correu para mim. Disparei até nós.

Seus braços envolveram meu pescoço e seu choro de alívio misturou-se ao meu pelo castanho. Minha crina fez-se manto, expeli o ar do peito com força. Ela sorriu. Não lembro de som mais belo. Suas mãos passearam sobre meu dorso, acarinharam minhas patas e amansaram meu peito. Minhas orelhas relaxadas a diziam que nunca houve toque tão suave e acolhedor como aquele.

Abaixei levemente as patas dianteiras. Ela compreendeu e, ágil, montou. No pelo. Sem encilhas ou arreios. Nós nos bastávamos. Peitos eretos, galopei sob o céu anil até que o vento secasse suas lágrimas.

Feito mágica, ela compreendeu nosso destino. Muitos, como eu, estavam a sua espera. E o que de um lado é dor, do outro é cura. Quase não tive tempo de frear. Ela saltou de minhas costas para reunir-se com os que vieram antes de mim. Família e amigos há muito não vistos, mas nunca esquecidos.

A antes matriarca, voltara a ser criança e os risos se multiplicaram. Tudo virou festa. Rostos se iluminaram, taças foram erguidas e nos quatro cantos o som da gaita pode ser ouvido. Dessa vez, lágrimas doces enfeitaram suas bochechas. Uma felicidade avassaladora arrombou seu coração.

Eu que a observava de longe, voltando a vida, respirei alegria pelas narinas. Ela veio até mim e tocou minha testa como quem finalmente compreende que viver é um eterno despedir-se e reencontrar-se. A mão que agarra é a mesma que deve soltar. Aconcheguei minha cabeça em seu ombro e a ouvi dizer, só para os meus ouvidos: “Obrigada por mais essa cavalgada, Azzaro”.

voltar

Carol Canabarro

E-mail: carolinecanabarro@gmail.com

Clique aqui para seguir este escritor


Site desenvolvido pela Editora Metamorfose