Bolo


Carol Canabarro

Depois de assistir a minha a mãe morrer e, na sequência, levar um pé na bunda do canalha do pai dos meus filhos – a clássica troca da usada por uma novinha – ter-me recuperado da depressão foi milagroso. Precisava voltar para a sociedade e a festa de quinze anos da Lavínia era a cereja do bolo, com velas de faísca e tudo.

Tracei um plano com a minha irmã: faríamos os preparativos, e a conta ficaria com o Joaquim. Uma pequena vingancinha por ele ter abandonado a família. Tudo certo. Na minha cabeça.

Para começar, tive que convencer Lavínia a fazer a festa, porque aquela ali mais parecia um menino. Vivia na rua, de joelho ralado e correndo atrás dos primos. Ela falava que não queria saber de “se fantasiar de merengue e gastar um monte de dinheiro em uma única noite”. A atentada teve a ousadia de dizer que preferiria ganhar um carro aos dezoito anos “que nem vocês deram pro Leonardo”, fazendo referência ao irmão mais velho.

Depois teve o enfrentamento com o muquirana do Joaquim; certamente aconselhado pela nova mulher, bateu o pé e disse que só pagaria metade do evento. Não me dobrei.

A Lavínia convenci dizendo que a festa era uma homenagem a sua falecida avó. O que, de fato, também era. O desinfeliz do Joaquim não cedeu. Melhor, assim ele veria que eu estava me recuperando financeiramente. Não lhe contei que rapei as economias da casa e fiquei devendo o condomínio para pagar minha cota no esbanjamento. Essa parte, ninguém precisava saber.

A celebração foi no salão de uma pizzaria. Convidei todo mundo, menos a dita-cuja. Lavínia exigiu um vestido curto e um sapato pouco alto. Ficou bonita, mas eu teria escolhido coisa melhor. Quando era criança, e eu a vestia, parecia uma princesa. Agora... Pelo menos entrou no salão com o irmão e dançou a primeira valsa com ele. Adorei, apesar do desastre. Nem sabia que se podia dançar tão errado uma valsa. E olha que eles ensaiaram em casa.

Minha filha parecia uma barata que acabou de cheirar SBP. Não sabia o que fazer com as mãos, tirava fotos por obrigação, sentava de perna aberta e reclamava o tempo todo do salto minúsculo. Eu tinha que estar toda hora ao seu lado para mostrar como agir, aonde ir, para quem sorrir. Ao menos os olhares de acolhimento dos convidados pelo trabalho que eu tinha com a aniversariante compensavam.

Na hora do discurso, Joaquim, falou maravilhas da filha que ele havia criado, como estava animado com a festa que ele havia providenciado e como era grato sendo pai da Lavínia. Fácil, né? Não está no dia a dia, não paga a festa, não leva ao hospital quando precisa. Nem falei nada, até porque não sou boa com palavras; e também porque fiquei envergonhada de não ter nenhuma joia para entregar à menina. Ele fez questão de comprar um anel de ouro com diamante. Gargalhei por dentro quando não entrou naqueles dedos destroncados. Prova de que ele não conhece a filha que tem. Se tivesse me perguntado o tamanho, não teria passado por essa vergonha. Talvez tenha sido escolha da outra. Bem-feito. Pros três.

A parte que me importava mesmo estava quase chegando. Parabéns cantado, mostrei para a Lavínia como cortar o bolo e disse que as primeiras três fatias ser entregues para as pessoas mais importantes da sua vida. Era agora. Ela era cabeça de vento, só pensava em rua, mas não deixaria de aproveitar este momento para me homenagear. Tive que conter minhas mãos para não avançar no prato.

Filha da puta!

Entregou para sua professora preferida. Inacreditável. Bom, pelo menos não foi para o desmazelado do pai, e isso, certamente, doeu mais nele do que em mim. Aceito a segunda fatia.

Desgraçada!

Ela só pode estar brincando. Entregou para a sua tia-avó. Uma bela bosta, mas acho que entendi, quis homenagear minha mãe. Gesto bonito, mas a pobre estava tão caduca, que nem entendeu a importância do que estava acontecendo. Ainda tinha a terceira fatia. Poderia ser essa.

Mal-agradecida!

Ergueu a fatia e deu, simbolicamente, para todos os presentes. Ou seja, entrei no mesmo balaio que o patife do Joaquim, o bêbado do meu cunhado e o bando de adolescentes no fundo da festa.

Bem filha do pai dela.

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Carol Canabarro

E-mail: carolinecanabarro@gmail.com

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