Carol Canabarro
No exato momento em que Alana tirou os olhos da pista para conferir se estava em tempo de pegar o filho no futebol, a notificação piscou no console do carro, encobrindo parte do trajeto que sabia de cor. Um sem fim de pensamentos engarrafaram entre suas orelhas. O que será que ele quer? Há quantos anos não nos falamos? Leio agora ou deixo para depois? Será que consigo deletar sem abrir o aplicativo? Deve ter mandado por engano, mentia para si mesma. A notificação deixava ver só a primeira palavra da mensagem: “Lanlan”. O número era desconhecido, mas só uma pessoa a chamava assim.
Apesar de ser horário de pico, estava no contrafluxo. A avenida estava livre para avançar. Não tinha necessidade (nem cabimento) abrir a mensagem enquanto dirigia. Decidiu-se por ler em casa, depois do banho, com o juízo lavado. Tirou o pé do acelerador. Foi atropelada por imagens.
Lembrou do sorriso escrachado que ele dava, empinando o queixo; da mancha de nascença no pescoço em formato de ampulheta e da voz quente com que repetia no labirinto do seu ouvido: essa é a prova de que o tempo para quando estou com você, Lanlan. Olhou-se no espelho retrovisor, sorriu de volta para o que via e, quando percebeu os dentes à mostra, arregalou os olhos e espremeu a boca. A figura do marido bloqueou a visão. Depois de tantos anos, Alana? Reprimiu-se em voz alta.
Duas quadras antes do clube, o sinal que toda terça e quinta pegava aberto, fechou. Se tivesse acelerado um pouquinho, poderia ter passado no amarelo. Não quis arriscar. Sinaleira de quatro tempos, noventa segundos de espera, última solidão antes do filho se adonar da sua atenção.
Olhou-se mais uma vez no espelho, o bigode chinês denunciava a distância da juventude. Se perguntou como ele estaria. Na última foto que viu nas redes sociais, estava elegante, provavelmente, exalando Azzaro. A então, recém-feita esposa, ainda mais linda do lado. Felicidade embeleza. Nunca mais abriu o perfil do primeiro namorado. Não queria a lembrança do sândalo com almíscar cruzando suas narinas.
Cinquenta segundos. O tempo passa devagar no passado. Deslizou o dedo sobre o console frio do carro. Um toque na tela e poderia ler a mensagem. Confirmar o engano. Um casal atravessou a faixa de pedestres, um braço por cima do ombro, cinturas coladas. Nós andávamos assim, pensou. Tomou a visão dos enamorados como manifestação divina. Alana iluminou o painel. Leu cada palavra, a única frase, todas entrelinhas.
Demorou-se tanto entre o passado e o futuro que o sinal abriu. Quis dar ré, refazer o caminho às avessas, encontrar o que nunca perdeu. Desejou desver. O som agudo da buzina do carro de trás a apressou. Não havia como retroceder ou manter-se imóvel. Sua única opção era avançar.