Carol Canabarro
A gente não sabe que está em um pesadelo até que desperte. O difícil é despertar sem ter adormecido.
Quando o celular dele toca avisando que é chegada a hora, ela finge acordar e desliza para fora da cama sem virar o rosto para o travesseiro ao lado. Entra no banheiro e encosta a porta. Ele não gosta de topar com portas chaveadas.
Lava o rosto, escova os dentes, evita o próprio reflexo e sai. Resolve não tomar banho para manter o estado impregnado sob a pele o máximo de tempo que puder. Eles se cruzam na entrada do banheiro, ela se esgueira como uma contorcionista para evitar o toque. Ele parece aumentar dez centímetros de cada lado para dificultar sua manobra. Ela é mais ágil.
Sob a cadeira estão as roupas escolhidas para ocasião na noite anterior. Um vestido rosa claro não muito justo, nem muito curto, combinando perfeitamente com os sapatos pretos de salto 12, que espremem seus dedos e mascam seus calcanhares. Maquia-se e coloca os brincos que pertenceram à sua mãe e, antes dela, à sua avó, mesmo sabendo que logo vai precisar tirá-los. Não serão suas testemunhas.
O cheiro de mamão cortado pinica seu estômago. Senta-se na mesa do café e o assiste devorar o que vê pela frente, enquanto ela jejua. Não como quem morre lentamente de fome, mas como quem deseja manter-se viva. Silêncio. Ela retira a louça e, depois, pega a pequena mala que a aguarda no corredor, enquanto ele busca chaves.
É ele quem abre e fecha a porta de casa, quem chama o elevador, aperta o botão para o estacionamento no subsolo e sela o destino. Na descida, ela confere seus documentos na bolsa. Precisa ter certeza de que é ela mesma quem está ali. E é.
No carro, o olhar dele permanece amarrado as ruas, o dela não atravessa o vidro. O trajeto único os leva para lugares distintos.
Quando chegam, ela desce do carro, pega a bagagem, dá dois passos e tropeça com pernas de não continuar. Ele não vai em seu auxílio e nem segura sua mão pelos corredores. No guichê, é ela quem encaminha a papelada. Ele fica sentado lendo mensagens importantes no celular. São direcionados para o segundo andar. As paredes são de um branco incandescente, feitas para deixar o vermelho vivo.
Recebe uma camisola de costas aberta e dois comprimidos. Ela desveste-se, veste-se, tira os brincos e os coloca dentro da carteira, ao lado da identidade. Os remédios, ingeridos sem água, unham sua garganta. As mensagens importantes ainda o impedem de vê-la.
Minutos depois, é levada para outra sala, mais branca, mais iluminada, mais contrastante com carmim. Tiram sua roupa e a preparam para o fim do pesadelo que ainda está por vir.
Quando a anestesia lambe suas veias, deseja morrer, mas ela sabe que reexistirá. Aquele é seu último ato de obediência. Na outra sala, ele, com as mãos sobre os joelhos e os olhos no desimportante, arranca de dentro dela a vida. Ela, imóvel, mata seu futuro para que possa, ao menos em sua mente, mantê-lo vivo.
Desacordada, enfim, desperta.