Tudo agora é Não


Carol Canabarro

Não. Palavra curta, arredondada nas bochechas e pontiaguda na vida, virou moda na casa de Duda. A maioria das vezes, vem acompanhada de explicações monótonas que ele faz questão de afastar dos ouvidos. Criado no Sim, o antônimo é a cara do gol contra.

Faz pouco que as coisas mudaram. A roupa, pendurada quando ele podia, ainda está molhada no varal. Jogar bola no pátio? Claro. Ver desenho antes do jantar? Absolutamente. Dormir com vocês? Pode, só um pouquinho, mas pode. De repente, os Nãos começaram a se empilhar, trancando a porta da rua.

E Duda se sente de fora.

A casa não mudou de tamanho. Foi ele quem cresceu? Que nada. A chuteira segue cabendo, seu passo é que foi afetado. A vida parece andar meio truncada, como um freio de mão puxado e Duda sem saber dirigir. Pequenas pausas que, aos seus olhos, são desembarques definitivos em lugares que não gostaria de ir.

As visitas que outrora vinham acompanhadas de algazarra, agora são recebidas com brincadeiras miúdas e sorrisos apertados. O cheiro doce impregnado nos cômodos, causa alegria silenciosa nos outros e arde nas narinas do menino. Não demora, ele descobre que ser feliz obrigado alarga a tristeza.

Como a soma de três mais um, o resultado salta. Aluno aplicado que é, repara que “lá fora” tem mais espaço e escolhe passar a maior parte do tempo na rua. Longe dos Nãos dos pais e perto dos Sims que ele mesmo se permite, Duda toma de volta sua liberdade sequestrada.

E pensar que ele mesmo desejou tudo isso. Sim, Duda queria outra vida, mas não era bem desse jeito. Há que se perdoá-lo. Quem de nós, aos dez anos, sabia que é preciso ter cuidado com o que se deseja?

Sem contar que felicidade tem preço e menino não é acostumado a boletos. A conta de Duda tem formato de Não, uma poupança que – na cabeça dele – tira mais do que deposita.

O enredo dessa história é tão velho quanto areia no deserto. O final é que muda, a depender da mão que o escreve. Nós, adultos, podemos emprestar os óculos do tempo e torcer para que Duda compreenda que, nessa fase da vida, não se trata de acumular Nãos, mas de ceder Sims.

Até porque, ele ainda não sabe, mas sua presença agora é exemplo. Como a de todo irmão mais velho.

voltar

Carol Canabarro

E-mail: carolinecanabarro@gmail.com

Clique aqui para seguir este escritor


Site desenvolvido pela Editora Metamorfose