Carol Canabarro
As notas soam limpas no piano oxidado pela maresia e, com o músico ainda puxando o ar, Marília prevê o verso. Em qualquer página, abandona o livro na cadeira, desenlaça a canga da cintura e, feito equilibrista, pula na piscina do resort.
Não faz muito, mergulhada em amor, acreditava poder respirar embaixo d’água. Toda imperfeição era só uma versão diferente de perfeição. Ganho até quando perco, ela lhe dizia. Você fica linda mesmo quando chora, ele mentia. Eu gostava tanto dessa música, Marília reflete, diluindo lágrimas em cloro.
Quer ficar submersa, mas seu corpo a empurra para superfície. Contrai os dedos dos pés na tentativa de agarrar-se à água. No verso das pálpebras vê na mesa do café, as flores colhidas por suas mãos. Sente o pinicar da blusa de gola alta que ele adorava vê-la usando e no céu da boca, explodem pequenas borbulhas do drink, sem álcool, que ele oferecia junto a frase: quero o melhor para você.
Praticamente esvaziados, os pulmões pressionam o peito. Ninguém virá. Vinte centímetros e ela estará na superfície. Marília comanda as pernas para voltar ao fundo, mas o peito insiste em beber oxigênio. A última bolha de ar rompe a linha d’água.
No embate consigo mesma, ignora melodia e vem à tona. Um raio de Sol reflete no horizonte dos seus olhos. Na cadeira, o vento bagunça as páginas do livro e faz dançar a canga. Eu te dou tudo de mim, e você me dá tudo de você, o pianista canta em Dó.
Marília cede a cabeça para trás, desliza as mãos pelo rosto e como nota dedilhada, incapaz de retornar à ponta dos dedos, sobe o primeiro degrau da piscina. Mas antes do próximo passo, pede para o garçom: um Sex on the Beach, caprichado na vodka.