Carol Canabarro
As primeiras lamparinas, as margens do Sena, estão acesas quando ela chega ao atelier. Na segunda batida, sem resposta, põe-se porta adentro. A possível demora a faz lembrar que sua filha está habituada a ser a última criança pega na escola, nem por isso ela gosta de deixá-la esperando. Ainda mais por um motivo desses.
- Aceita um chá ou um Champagne, Madame?
- Só vim pegar meu vestido – ser objetiva nunca lhe parecia defeito – você pode pegar para mim, por favor?
A revirada de olhos da recepcionista faz Maria perceber o apinhado de mulheres na antessala que as separa da sala de costura. Todas elas seguram taças do líquido borbulhante e tem os troncos voltados para recém-chegada, ainda que os rostos estejam em outra direção. Não precisa fazer as contas para saber que ficará mais tempo do que deseja naquele lugar. A garota ao seu lado, toma um gole da bebida e atrapalha seus cálculos:
- Você também veio buscar o vestido para o baile?
- Não, é para... - interrompe-se - Sabe com quem posso retirar meu vestido?
A garota se detém no manchado e nos pequenos buracos do traje da outra e responde:
- É a própria modista quem entrega o vestido, depois da prova final. - Sem saber, a jovem lhe dá uma possibilidade de saída.
Atravessando o corredor com passos duros, Maria vai até a entrada da sala de costura. O nariz, tão acostumado a fragrâncias metalizadas, franze diante da profusão de âmbar, baunilha e, desacreditando do próprio olfato, urina adocicada. Decide não interromper Amèlie que está de costas, corrigindo o cós do vestido, uma vez que há uma senhora dentro dele.
- Eu vi, um absurdo. Onde já se viu mulher praticando esporte?
- Vão é perder o marido, isso sim. Por falar nisso, há boatos de que o marido de Amèlie está com câncer. Pobrezinha - falam duas desconhecidas, próxima a divisória das salas.
Maria abre os lábios, prestes a se intrometer em uma conversa da qual não havia sido chamada, quando é percebida pela modista.
- Marie querida! – Abandona a cintura cheia de alfinetes e caminha até a intrusa.
- Olá, Amèlie. Estou com pressa, preciso pegar minha filha na escola ainda. Você pode alcançar meu vestido? – As clientes que presenciam a cena da antessala, lançam olhares sinuosos para as duas.
A modista pega o vestido prata azulado, coloca entre as mãos de Maria e, dois tons de voz acima do aceitável, anuncia:
- Minhas caras, quero que saibam: entrego esse vestido antes dos vossos e sem fazer a última prova, porque – seus olhos deitam sobre Maria – seu tempo é precioso demais para fazê-la esperar.
- Por favor, não faça isso – Maria volta a se lembrar da filha na porta da escola.
- É com imenso orgulho que, dentro de alguns dias, um de meus vestidos estará em Estocolmo, para entrega de um prêmio.
A garota da entrada franze as sobrancelhas, dá um passo à frente e diz, como quem entende tudo:
- Parabéns pelo marido, querida! - E propõe um brinde.
As demais, mesmo sem compreender o que significa, acompanham o movimento de erguer taças. Antes do salve, Amèlie interrompe:
- Oh, minhas queridas, não se deixem enganar. Ergamos, sim, nossas taças ao marido de Marie, mas principalmente a ela. Graças ao trabalho deles, as pesquisas para tratamento do câncer estão avançando. Em seu laboratório, ela faz muito mais pela humanidade do que nós todas juntas. Brindemos a Marie e seu merecido Prêmio Nobel!
Sem taça, Maria Skłodowska-Curie se resigna a pegar o vestido cor de polônio, agradece os cumprimentos desconsertados e sai. Tem uma filha para pegar antes de fazer o jantar.